A expectativa é um dos componentes do planejamento, e este, elemento importante para a elaboração de estratégias de sobrevivência.
Frequentemente se diz que não se deve gerar expectativas sobre acontecimentos futuros, pois, elas seriam danosas já que poderiam ocasionar frustração caso não se cumprissem. Bom, talvez o problema seja não saber lidar com a frustação e não com a expectativa.
Expectativas fazem parte do planejamento, que são elemento importante para a vida individual e social. Vivemos em um planeta que funciona a partir de padrões naturais: o ciclo do sol gera as estações do ano, os ciclos das águas, os processos de manutenção da vida em plantas, vida animal e assim por diante. Os padrões do ambiente geram a possibilidade de previsões e planejamentos para a vida humana: onde plantar, quando colher, em que épocas do ano armazenar comida, onde construir habitações, em que épocas do ano se precaver de tempestades, frio ou calor intenso. O padrão possibilita prever momentos de planejamento mais rígido e inclusive momentos de planejamento menos rígido ou quem sabe, a momentânea falta de planejamento. Quando se tem conhecimento de que em determinada época do ano haverá abundância de alimentos, condições climáticas favoráveis, ausência temporária de perigo, entre outros, pode-se relaxar mais e planejar menos. O mesmo ocorre com pessoas assalariadas que recebem o décimo terceiro salário no final do ano, tendo a certeza temporária de que haverá mais abundância e menos preocupações. Ainda assim, esse planejar menos está intrinsicamente ligado à expectativa de que haverá as boas condições previstas que possibilitem que o planejamento mais solto possa acontecer. A sobrevivência exige que haja expectativa.
Todo ser animal precisa entender o meio onde vive para obter alimento e abrigo, além de se proteger de perigos. Até mesmo a reprodução dos seres depende de expectativas baseadas em padrões de fertilidade. O oposto de planejamento e expectativas cumpridas seria o acaso. Porém, a sorevivência seria muito difícil se todos vivêssemos em completo acaso. A certeza de que o ônibus passará na hora ou de que o mercado estará aberto para a obtenção de alimento é importante para que a vida ocorra sem que o caos se instaure. O próprio corpo funciona a partir de padrões fisiológicos, que apenas existem caso haja previsibilidade: se não comemos, em poucas horas, já estamos cansadas, se não bebemos água, o corpo resseca aos poucos, podendo chegar à morte. Se não houver a expectativa da certeza de água e alimento, o estresse gerado por esta situação será tamanho que causará danos à vida, não só física, mas, emocional.
Outro elemento importante faz parte do planejamento, a frustração. Quando uma tentativa é frustrada, significa que ela não foi bem sucedida. Não atingir o planejado faz parte do processo, assim como o faz, a estratégia necessária para que se recomeçe e tente novamente. O problema está não na expectativa, mas, sim, em não saber lidar com a frustração. A vida é feita de erros e acertos e é justamente esse processo de aprendizado e experiência que importa. Não apenas para aprender com os erros e refazer estratégias, mas, também, em conviver com as tentativas não bem sucedidas. Elas fazem parte da existência, pois, a vida é sistêmica, ou seja, ocorre através de relações dinâmicas em rede entre vários elementos, tanto previsíveis, quando imprevisíveis. Lidar com a frustração é administrar a própria inserção na dinâmica das relações sociais e não inflar a vontade e o desejo egoísta acima da possibilidade de não-acerto. A não administração da frustração ocorre em indivíduos que vivem apenas para si, colocando suas vontades como superiores à das outras pessoas. Lidar com a frustração é um elemento tanto da expectativa quando da disponibilidade para o não-planejado.
Para que que se possa relaxar e ter menos planejamento (menos expectativa) e mais acaso, é preciso que haja a certeza (expectativa) de que haverá as condições propícias para que não haja a necessidade de planejamento. Expectativa e acaso, neste sentido, existem de forma relacional.
Um ponto a ser destacado é a existência de expectativas em relacões sociais. É mais fácil ser favorável ao planejamento quando este diz respeito às condições mínimas de sobrevivência: alimento, abrigo, boa saúde. Mas quando se pensa em relações sociais, não há exatamente uma condição padrão que possibilite que aconteçam. Cada pessoa ou agrupamento social se comporta de forma diferente em sociedade, é o que chamamos de cultura. A cultura acolhe em si tanto os comportamentos coletivos quando os individuais, além de tempos em tempos, germinar a semente da transformação, a transformação da própria cultura, que muda com o passar do tempo. Muitas vezes dentro de uma própria cultura, as pessoas tem noções muito diferentes de como se relacionar em coletivo. E, ao invés de construírem um terceiro caminho a partir do encontro entre um (eu) e dois (o outro), tentam impor suas visões umas às outras, sem possibilidade de construção conjunta, diálogo. Nesse ponto há tentativa de concretização de apenas um planejamento, uma expectativa e não o reconhecimento das três possíveis. A construção do terceiro caminho, aquele que é constituído de pelo menos dois outros caminhos, é justamente o resultado da expectiva em conjunto com o acaso. É desse encontro que surge a diversidade da vida, a possibilidade de uma cultura democrática.
Destaco outro ponto importante que é a importância do planejamento e da adminstração da frustração para as mulheres. Enquanto sujeitas historicamente retiradas do contexto político, ou seja, da tomada de decisão, o patriarcado nos quer sem planejamento, ao acaso, mas, não o acaso total, e sim, ao acaso das decisões dos homens. Nos quer como secretárias e organizadoras dos detalhes gerados pelas decisões dos homens, mas, não como sujeitas que decidem, debatem e propõe no âmbito coletivo. Nesse sentido, é importante a consciência sobre a realidade, a elaboração de estratégias e planejamento para a superação da dominação. Ao mesmo tempo, o mesmo patriarcado gera mulheres autocentradas em si mesmas. Retiradas do plano político, muitas vezes se vêem envoltas no mundo subjetivo, psicológico, onde vontade e desejo são elementos significativos. Preponderantes ao planejamento e à estratégia, que são fortes características do pensamento em rede, sistêmico, coletivo, ou seja, político, geram mulheres compostas de elementos isolados, que não conversam entre si, mulheres que não prevêem, que não treinam métodos que podem ser utilizados caso algo dê errado. Além disso, o patriarcado tem interesse em gerar mulheres que não sabem lidar com a frustração, pois, dessa forma, as tornam dependentes dos homens, que sempre terão uma solução para o problema e sempre oferecerão seu colo para consolo da mulher que classificam como incapaz. Pois, não. Não será assim. Mulheres continuarão desenvolvendo estratégia e administração de si e do coletivo, apesar do patriarcado. Seguiremos traçando planos, testando práticas e estando disponíveis ao acaso, através do desenvolvimento de ferramentas que nos possilitem a tranquilidade. Expectiva e disponililidade, duas estratégias de sobrevivência e busca da felicidade.
E você mulher, qual o seu planejamento para 2020?
Daniela Alvares Beskow
31 de dezembro de 2019