São poucas as mulheres na história que ocuparam o cargo da presidência da república. Assim como são poucas as dirigentes de grandes empresas e instituições. Muitas religiões sequer permitem que mulheres ocupem cargos de liderança e comando, como a função papal da igreja católica, por exemplo. É uma das características do sistema social denominado patriarcado, sistema sob o qual vivemos, que os cargos de tomada de decisão sobre o coletivo – nos níveis social, político, econômico, religioso e familiar – sejam ocupados por homens. Aos poucos essa estrutura de poder vem sendo questionada, pressionada e transformada em vários dos seus aspectos, tendo como um dos grandes impulsionadores dessa mudança, os movimentos feministas espalhados pelo mundo.
No entanto, como o patriarcado é uma questão estrutural é também extremamente lenta a sua superação e transformação para um sistema onde as mulheres não sejam mais violentadas. É importante ressaltar que o fato de existirem poucas mulheres em cargos de comando em todas as sociedades nos últimos milhares de anos resulta em pessoas e culturas que não estão acostumadas a serem comandadas por uma mulher.
Brasil séc. XXI: vimos ser eleita a primeira presidente mulher, na esteira de tão poucas décadas de democracia representativa em um país que é resultado de séculos de usurpação e colonização de seu território, de sequestro e violação de povos africanos, de massacre dos povos indígenas originários e produtor de relações de intensa violência. Nesse quadro a violência contra as mulheres sempre foi exorbitante.
O contexto atual do Brasil apresenta um quadro de intenso debate político onde as manifestações de rua tem sido marcantes nos últimos anos. Tem chamado a atenção nas manifestações da direita – não apenas nas passeatas; mas, também em falas individuais de cidadãos na internet; em falas de profissionais da comunicação através da televisão, rádio, jornais impressos; em aglomerações como torcidas de futebol – muitas agressões verbais em relação à presidente das quais estas tem apresentado caráter sexualizante e animalizante. Os preferidos dos agressores tem sido “vaca”, “vadia”, “vagabunda”. Em geral, tais cidadãos cometem essas violências verbais no contexto onde pretendem criticar a atuação da presidente enquanto profissional. No entanto, criticam seu desempenho enquanto gestora a partir de parâmetros que falam do corpo e da sexualidade, ou seja, que absolutamente nada tem a ver com sua atuação enquanto profissional, e pior ainda, de forma pejorativa e extremamente violenta e misógina. Ou seja, não realizam crítica nenhuma sobre nada. Apenas proferem discurso de ódio misógino contra a presidente enquanto mulher. Curioso como não tem sido visto nada parecido em relação aos presidentes homens.
Para entender a gravidade dessa situação é preciso refletir sobre a sociedade patriarcal onde vivemos e sobre todos os momentos cotidianos onde essa estrutura se manifesta. Para entender a desqualificação à qual as mulheres políticas estão submetidas diariamente em seus espaços de trabalho é preciso refletir sobre as violências de gênero à qual todas as mulheres estão submetidas no mundo todo: violências verbais, morais, físicas, psicológicas e sexuais. Apesar de reprovadas na lei, socialmente essas violências são legitimadas e muitas vezes incentivadas através dos discursos e das práticas. No Brasil o número de estupros aumenta a cada dia; mulheres são violentamente erotizadas e objetificadas em campanhas publicitárias, em capas de revista, em programas de televisão; a violência sexual em vários níveis ocorre descaradamente nos transportes públicos coletivos, espaços de trabalho, espaços públicos; violências verbais com conteúdo sexual ocorrem diariamente em quantidade infinita contra meninas e mulheres de todas as idades. Nessa esteira da violência uma grande massa de brasileiros tem dado continuidade ao seu comportamento violento habitual e se referido à presidente de forma igualmente violenta. Um contexto que naturalizou a violência contra a mulher, onde uma violência autoriza e incentiva a outra.
Um país que produz e aceita cidadãos que se referem à sua presidente como “vaca” e “vadia”, que não critica intensa e profundamente agressores como esses, que não pune, que tem uma grande mídia que não se posiciona radicalmente contra tal atentado à vida da mulher é um país que aceita, permite, legitima a violência contra a mulher. Aceita essa violência que vem de jornalistas, radialistas, cidadãos de direita em manifestações de rua, torcedores de futebol, opinadores em redes sociais e inclusive de políticos homens que demonstram completa falta de respeito por sua colega de trabalho ao se referir à presidente a partir dos nomes mais agressivos, constantemente desqualificando-a enquanto mulher.
É preciso se posicionar e não aceitar mais agressores que violentam não apenas no nível verbal mas em todos os níveis as mulheres brasileiras, que são profissionais, funcionárias, vizinhas, esposas, namoradas, mães, filhas, enteadas, sobrinhas. Mais do que se envergonhar, tais agressores devem ser punidos de acordo com a lei e repreendidos socialmente pela opinião pública. Não é aceitável que a violência contra a mulher seja perpetuada e aceita no Brasil e em nenhum outro país. O Brasil não pode mais aceitar essa situação de ataques misóginos à presidente Dilma e à nenhuma outra mulher.
Daniela Alvares Beskow
Abril/ 2016
Como citar essa coluna:
Beskow, Daniela Alvares. Ataques Misóginos à Presidente Dilma. Palavra e Meia, Abr. 2016. Colunas. Disponível em: <http://www.palavraemeia.com/colunas/ataques-misoginos-a-presidente-dilma/>. Acesso em: [inserir data].