A maioria dos homens se relaciona com as mulheres a partir de intenção libidinosa em todas as situações do cotidiano, incluindo qualquer situação onde a mulher esteja vulnerável e ele possa se aproveitar sexualmente desse fato: mulheres que acabaram de sofrer um acidente grave e estão imobilizadas em uma maca; mulheres sedadas em um quarto de hospital; mulheres presas ou algemadas em um quarto de polícia, delegacias ou prisões; mulheres moradoras de ruas dormindo ao relento; mulheres adoecidas sendo atendidas na emergência; mulheres cansadas sentadas no ponto de ônibus tarde da noite; mulheres vendendo bala no semáforo para alimentar a família; mulheres alcoolizadas em festas; mulheres relaxando desatentas descansando na praia, na cachoeira; mulheres dormindo no ônibus noturno; mulheres em trabalho de parto; mulheres assustadas precisando de ajuda em uma situação de perigo; mulheres vítima de guerra; pessoas do sexo feminino que são crianças, ou seja, são vulneráveis por definição; adolescentes do sexo feminino, ainda socialmente imaturas. A lista é longa. Basta o homem identificar que determinada mulher precisa de ajuda, que ele identifica uma situação não onde poderia ajudar, mas, percebe como uma oportunidade sexual.
É uma questão de mentalidade predadora e como esta está acomodada em uma interpretação validade por seus pares, interpretação preguiçosa, estacionada, que se contenta em fazer seu mundo individual girar em torno da própria libido. O primeiro aspecto relacional que o homem busca em qualquer mulher que encontra, vê, convive é a correspondência ou não do corpo dessa mulher com sua própria libido (a libido do homem). A mulher está contratando o serviço de um profissional autônomo, está comprando em um comércio, está andando na rua, está entrando no ônibus, está sentada no ônibus fretado. A mulher está coordenando uma reunião empresarial, está falando no palanque de uma manifestação ou no palanque do Parlamento. A mulher está dando aula ou assistindo aula. A mulher está se informando sobre o horário do ônibus com o fiscal da rodoviária.
Todas, absolutamente todas as situações, na maioria das vezes a primeira coisa que um homem vai fazer é olhar os seios da mulher, suas pernas, a área do meio das pernas e quando você der as costas e sair, ele vai observar sua bunda. É a mentalidade do estupro, do assédio. O oposto da mentalidade cooperativista que exige qualquer sociedade.
Para sobreviver precisamos do grupo e para viver bem precisamos estar em ambientes onde nos sentimos seguras e seguros. Não é o que acontece. Viver entre homens é estar constantemente atenta para o fato de que estão constantemente nos vendo como oportunidades sexuais, é viver constantemente sem poder relaxar por completo nos ambientes coletivos mistos.
Viver em grupo deveria proporcionar o descanso alternado “fique tranquila, enquanto você relaxa eu olho por você”. Olho se tem algum animal selvagem por perto, se vai chover, se o ônibus vai chegar, se vão chamar sua senha, olho por sua segurança enquanto você descansa. Não, mulheres não podem descansar em coletivo. O minuto que baixamos a guarda é a oportunidade para algum homem já estar em cima de nós abrindo a braguilha. Pois ele estava desde antes observando, esperando para o momento em que ficariamos vulneráveis.
Isso é o que se entende por cultura do estupro.
Daniela Alvares Beskow
06 de março de 2022
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